Bem sentidos

Tenho dessas coisas de lembrar de cheiros. Os almoços de sábado da minha infância sempre são lembrados quando sinto cheiro de salsicha na fervura. E sempre que me lembro desses almoços me vêm o cheiro e o sabor da salsicha ao molho com purê de batatas.

Hoje, ao pensar no carinho de um amigo que me ajudou com sugestões para o blog, lembrei da música Clube da Esquina 2, do Milton Nascimento e Lô Borges. 


Também tenho a mania de, ás vezes, no meio de uma frase, lembrar de uma música relacionada a uma palavra ou expressão usada na frase. Pois bem, eu estava pensando sobre a retomada desse meu sonho que é o blog e me veio o verso da música “os sonhos não envelhecem”. Fui buscá-la no YouTube e acabei encontrando também o disco*, em que o original dessa canção foi gravado. E mesmo sonolenta não resisti à vontade de ouvi-lo todo.

E, de repente, ainda nos primeiros acordes da primeira faixa, fui transportada para o ano de 1997, ano em que fui para a moradia estudantil, o CRUSP e época em que descobri esse álbum. Logo me veio às narinas da memória o cheiro da madeira das paredes, a memória da mobília do quarto, a TV que eu comprara para ter alguma distração quando voltasse das aulas, a cortina florida e puída que mal nos protegia do sol.  O cheiro do macarrão sendo cozido no caneco na água que borbulhava por ação do ebulidor elétrico, e que depois era misturado com uma lata de Pomarola e outra de atum. Lembrei das noites com programa do Jô, da minha primeira vez e do cheiro do escolhido. De repente, me vi imersa naquele clima, naqueles dias de tantas descobertas, incertezas, certezas, paixões. E todos aqueles cheiros, sensações e memórias foram me sufocando, me embriagando até que me vi com uma vontade louca de voltar lá, naquele lugar, naqueles instantes e viver tudo novamente, daquele jeito, com aquele gosto, com o ranger das paredes e o áspero do chão de cimento batido. Até o pior dos gostos, o amargo da primeira grande decepção, do impacto da porta batendo e o voltar para casa correndo para chorar no colo da mãe.

Por um instante lamentei não poder voltar no tempo. E vivi uma ironia: estar eu, ali, querendo reviver um punhado de momentos, dentre os quais alguns que já quis apagar como numa amnésia irreversível. No entanto, foi bom estar ali revivendo, revisitando, sentindo aquele calor gostoso no peito, que poderia muito bem explodir de tanta felicidade por ter bem vivido tudo aquilo, por ter bem cheirado e bem ouvido todos aqueles momentos e assim tê-los agora bem colados na minha história.


* O álbum Clube da Esquina, de 1972, é um dos discos mais lindos que já ouvi na vida. 

Comentários

Djair Rod Souza disse…
É, como me disse Marfísia, uma grande amiga, certa vez: "Podem lhe tirar tudo, menos a experiência!"

E..."
Também tenho a mania de, ás vezes, no meio de uma frase, lembrar de uma música relacionada a uma palavra ou expressão usada na frase"
É minha cara, tudo pra mim tem uma trilha sonora. :)

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